Na tarde cinzenta, decidi ir à pé para a academia. Subi uma rua estreita e alcancei uma mais larga , mas cheia de trânsito... Obrigada a parar para a passagem de um ônibus, escutei uma voz que me desperta para uma realidade a que eu sequer tinha imaginado : você é surda? Logo imaginei que eu estava sonhando ou imaginando coisas, mas a pergunta surgiu pela segunda vez - Você é surda?
Procurei ao redor para descobrir a voz que me fazia pensar no silêncio e no grito e encontrei a gênese : atrás de uma grade de 25 cm por 25 cm, havia uma criança com idade aproximada de 4 anos. Ele era o questionador que repetiu a pergunta. Respondi, então,que eu não era surda e podia ouvi-lo muito bem. Ele se sentiu surpreso, chamou o irmão mais velho e disse para ele que eu não era surda... Conversamos por uns 15 minutos , me despedi e continuei caminhando , agora filosofando sobre a necessidade de sabermos ouvir o outro em qualquer situação.
Aquelas crianças ficavam na janela o tempo todo, dizendo bom dia ou boa tarde para todos os pedestres e ouvindo como resposta o silêncio, a ponto de pensarem que todos os outros seres humanos são mudos, surdos e cegos.
A pergunta continua sondando meu espírito : será que sou surda, que não consigo escutar o outro nem mesmo as vozes do meu próprio inconsciente. Aquelas crianças me acordaram para mim mesma...
Há poucos meses, eu ouvi um mestre que me disse que a filosofia é feita o tempo todo, em pequenas doses, homeopáticas, mas constante. Admito agora que , parodiando " O Ensaio da Cegueira" , devíamos também ter na cabeceira os títulos " O Ensaio da Surdez", "O Ensaio da Mudez", " O Ensaio da Perda de Nós Mesmos em nossa Insignificância" .