Última Flor do Lácio - Coma Profundo
Creio, firmemente, que uma das mais terríveis profissões
que há, hoje, no mundo, seja a de revisor de textos. Tomo a iniciativa de afirmar que ser revisor
de língua portuguesa falada no Brasil seja mesmo a profissão que mais chagas
abre no peito desse profissional. Sou revisora
e posso garantir : a última flor do lácio, conforme é conhecido o português
falado no Brasil, está em coma profundo, com poucas chances de ser
revitalizada.
Chegam em minhas mãos, e, imagino, nas mãos de todos os
revisores desse imenso país, textos sofridos, com todos os tipos de
enfermidades. A ideia de que “vale a
interpretação da mensagem que se quis transmitir” promoveu danos profundos à
proposta de se criarem textos fluidos, ricos, interpretáveis e válidos para
alguns objetivos específicos, principalmente aqueles vinculados ao mundo
acadêmico.
Não desejo aqui discutir a validade ou não das pesquisas
volumosas sobre a questão do preconceito linguístico e sobre variação
linguística. Preocupa-me,
definitivamente, a falta de contexto, de estruturação textual e de adaptação da
escrita para propostas especificas. Bem, vamos escrever um bilhete para o amigo
– nada há de errado em fazê-lo usando o internetês ou aplicando o padrão
popular ou oral. Todavia, revisar uma
dissertação ou uma tese onde o mestrando ou o doutorando escreve como fala, com
excessos de gerundismo, repetição de palavras ou com seus derivados ou com expressões
condenáveis para esses tipos de texto (exemplo: tipo assim) envergonha qualquer
professor de português.
Percebe-se que o brasileiro lê cada vez menos e, por
causa disso, escreve cada vez pior. Esse
cidadão não consegue argumentar, criar diálogos entre autores ou expressar sua própria
opinião sobre alguma citação ou dado.
Desconhece que discurso é toda unidade inteligível de texto, o que
inclui períodos e parágrafos; em resumo, todo texto tem que ter início, meio e
fim. É tarefa comum ter que ligar para o
autor e questioná-lo temas simples como “quem “, “o quê”, “qual”, “onde”, por
quê”. Na linguagem popular, escrevem-se
textos “sem pé e sem cabeça”, ou seja, completamente desfigurados.
Torna-se fácil detectar que quem escreve hoje teve pouca
ou nenhuma cultura de leitura, de técnicas de fichamento e de escritura de
resenhas, uma vez que o texto considerado bom pode estar contaminado por outra doença,
a saber, o plágio. Alguns textos que
normalmente recebemos vêm repletos de citações (pouco senso crítico do autor) ou
invadidos pela cópia.
Por sua vez, bastam-nos apenas alguns minutos de observação
e verificaremos que o que ocorre no texto escrito é pior no texto falado, principalmente
na voz de autoridades que usam meios de mídia para chegar ao povo. Se essas autoridades cometem erros de
concordância, de regência ou de estilística (como usando expressões com
cacofonia e pleonasmos), como poderemos acusar quem teve pouco acesso aos livros
de escrever ou falar mal? Foi assim que
ouvi um âncora de famosa rede de televisão falar duas vezes, em uma mesma
reportagem, a expressão “elo de ligação”.
Então, se o graduando escreve em seu trabalho de conclusão de curso ou
monografia “conclusão final” ou “elo que liga um autor a outro”, ele se
espelhou em alguém que ele julgava ser bom em português. Em outra ocasião, em um importante evento
para criação de programas de incentivo à leitura, a autoridade repetiu por três vezes o verbo haver ( igual a existir) no plural.
Mais uma vez afirmo que aqui não julgo a questão do
preconceito linguístico. Preocupa-me,
bastante, a deterioração da língua portuguesa a ponto de um dia só podermos
contar, como hoje o fazemos ao usar a gramática tradicional, com exemplos dos
clássicos, que vão soar como alienígenas para nossas crianças e jovens, que não
sabem escrever uma simples carta de solicitação de serviços ou uma argumentação
básica sobre uma escolha feita na vida. Todos
sabemos que as línguas evoluem, sofrem mudanças, não são estáveis; todavia,
também reconhecemos que, mesmo dentro dessa evolução, algumas estruturas
permanecem e se tornam pilares para a escritura de um bom texto ou para o
pronunciamento de qualquer opinião.
Concluo reafirmando que a língua portuguesa falada no
Brasil está em lastimável estado de conservação, necessitando, com urgência, de
atitudes drásticas para sua revitalização, se isso ainda for possível. O medicamento mais recomendado é o incentivo à
leitura e ao letramento para todas as idades. Só reconhecendo estruturas nos
textos é que as repetiremos na fala e na escrita.
Você gostou deste artigo? Então compartilhe com seus amigos:
|
|
Facebook |
|
Twitter: |
|
Google+ |
|
|
|