O bem-te-vi frustrado
Viii! Viii!! Bem te vi! Assim soa aos ouvidos humanos o canto que, por razões óbvias, dá nome ao pássaro dos mais conhecidos de quem vive em localidade ainda bem arborizada. Antes de surgirem os primeiros raios do sol, o bem-te-vi já está a emitir seu alarme. Parece ser testemunha de atos inescrupulosos a merecer censura de sua parte. A propósito, conta-se anedota na qual um lusitano que - ainda não conhecia o bem-te-vi - ao embolsar uma carteira recheada de dinheiro, encontrada sobre uma ponte, e ouvir o brado do pássaro, assim reagiu: Viste? E queres que contigo eu reparta? Pois então, nem pra mim e nem pra ti! Em seguida lançou o achado no rio. O grito do bem-te-vi leva a considerar certos denunciantes que, nos muitos escândalos vividos por este país, têm obtido notoriedade por abrirem caixas de segredos; segredos que se revelam chaves para abrir mais caixas, as da corrupção, algumas recheadas há longo tempo em proveito pessoal de agentes políticos sem compromisso com a ética e a moral. Entretanto, esses eventuais “bem-te-vis” são desprovidos da imparcialidade original, a começar pela intimidade que têm com o denunciado, na qualidade de parentes próximos, “ amigos” ou funcionários subservientes. Tais figuras comportam-se como cúmplices do autor, alguns com medo de perder o emprego ou posição, outros por puro oportunismo, prontos para cobrar pelo silêncio no momento mais conveniente. Confiante no poder que tem nas mãos, ao qual credita a aparente fidelidade dos que o cercam, o corrupto não percebe o que está para acontecer ao contrariar interesses, nem de longe suspeitados. De repente, o “bem-te-vi” abre o bico. Aos olhos do público surge um patriota, alguém não pactuado com a imoralidade, que se arrisca na denúncia da corrupção. Mas somente Deus sabe o que lhe vai na cabeça! O “herói” não passa de oportunista frustrado. Enquanto nutrido de esperanças de poder participar dos resultados escusos, ele bajula e defende o patrão ou parente, sem abrir o bico quanto às falcatruas conhecidas. Somente ao perceber que nenhum proveito conseguiu tirar é que ele se infla de indignação e, de dedo em riste, aponta o corrupto à plateia admirada. A hipocrisia de que se reveste impede ao público a percepção da verdadeira natureza do dedo acusador. Frustrado em suas pretensões junto ao alvo da denúncia, o “bem-te-vi”, anunciador da corrupção, exibe na passarela, sob os holofotes da notoriedade, a falsa honestidade à sombra da qual ainda poderá seduzir incautos para projetos seus mais ambiciosos no mundo da política. Aí então ele terá a oportunidade de fazer, ter o que não conseguiu antes e, quem sabe, ser denunciado por outro “bem-te-vi”. Punição igual à do denunciado está claro que não caberia, uma vez que não se envolveu diretamente, mas, se provado que o retardamento da denúncia foi motivado por interesse em vantagem pessoal, de alguma forma ela deveria recair também sobre o dedo acusador. Ser honesto por falta de ocasião para a prática da desonestidade não constitui nenhum mérito. E esta é a situação de alguns eventuais denunciantes, que têm levantado nuvens de poeira em rumorosos casos de corrupção. Apresentam-se como puros diante do público quando, na verdade, são também corruptos, em potencial e frustrados, a lançar mão da vingança porque não conseguiram seu quinhão na roda da corrupção. Se a lei não os alcança, porque culpa formal não têm, cabe à sociedade vigiá-los e impedir que a falsa honestidade se coroe de patriotismo!
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